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sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Um "louco" muito sábio


Escolhemos como primeiro post desde novo ano de 2017 -queira Allah que seja próspero- este curioso "causo", tendo como protagonista Wahab ibn Amr "Bahlul". Neste link há informações sobre sua vida, com algumas variantes em relação ao texto abaixo (por exemplo, Bahlul é apontado como ligado ao imam Khadim, e não a al-Sadiq). Independentemente do rigor histórico, é uma saborosa história. Vertemos o texto para o português a partir daqui, de onde também extraímos a imagem ilustrativa, cuja fonte infelizmente não logramos localizar.

Abu Hanifa e Bahlul

Bahlul significa "sábio" e "chefe". Assim se chamava um famoso companheiro do imam Jafar al-Sadiq, que viveu até os imamatos de Ali al-Hadi [an-Naqi] e Al-Askari. De forma pitoresca, também é conhecido comumente como Bahlul Majnun (Bahlul, "o Louco"), porque se fingia de louco para se livrar das responsabilidades do cargo de magistrado, como lhe tinha sido oferecido pelo califa Harun al-Rashid.

Mas, sábio como era, Bahlul se aproveitava de sua suposta loucura para censurar as grandes personalidades de sua época, reis inclusive, por suas faltas.

Certo dia escutou o imam sunni Abu Hanifa [fundador da escola Hanafi de jurisprudência] dizer aos seus discípulos: "Eu ouvi três coisas do imam Jafar al-Sadiq que considero equivocadas". Os discípulos perguntaram do que se tratava e Abu Hanifa respondeu: "Primeiro, imam Sadiq diz que Deus não pode ser visto. Isso é um erro. Se algo existe, então ele deve ser visto. Em segundo lugar, ele diz que Satanás será punido no fogo do Inferno. Isso é um absurdo, porque Satanás foi criado a partir de fogo; como pode o fogo ferir algo ou alguém feito do próprio fogo? Por fim, ele diz que as ações dos homens são feitas pela força e vontade do próprio homem, e que o homem é o único responsável. Está equivocado, porque todas as ações são executadas pelo poder e pela vontade de Deus, então em verdade é Allah o verdadeiro responsável".

Os discípulos começaram a aplaudir quando Bahlul fez uma bola de barro e a arremessou com força em Abu Hanifa. A bola atingiu em cheio o imam, que pôs-se a gritar de dor.

Os discípulos, surpresos, detiveram Bahlul e o levaram, junto com Abu Hanifa, ao juiz.

O magistrado ouviu a acusação contra Bahlul e perguntou-lhe se era verdade.

Bahlul respondeu: "Oh Qadi [juiz], o imam Abu Hanifa alega que está com uma grande dor de cabeça porque o atingi com uma bola de barro. Em verdade acho que está mentindo. Não posso acreditar nisso até que eu veja essa dor que ele diz sentir".

Abu Hanifa: "Realmente está louco. Como posso mostrar-te a dor? Por acaso alguém já viu a dor?".

Bahlul: "Mas, Qadi, há pouco Abu Hanifa estava ensinando aos seus discípulos que se algo existe então pode ser visto. Já que ele não pode nos mostrar a dor, afirmo, com base em seu próprio ensinamento, que não sente dor nenhuma".

Abu Hanifa: "Ai, minha cabeça está quase rachando em duas de tanta dor".

Bahlul: "Qadi, há outro assunto que acabo de recordar. Abu Hanifa dizia a seus discípulos que, como Satanás foi criado de fogo, o fogo do Inferno não pode causar-lhe dano. O homem foi criado de barro, segundo diz o Corão, e eu teria atingido Abu Hanifa com uma bola de barro. Como uma bola de barro pode causar dor a alguém que foi criado de barro?".

Abu Hanifa: "Oh Qadi, Bahlul quer sair impune graças a sua eloquência. Por favor, castigue-lhe pelo que me fez".

Bahlul: "Oh Qadi, acho que o imam Abu Hanifa me trouxe equivocadamente para esta corte. Ele ensinava a seus discípulos que todas as ações do homem são realizadas por Allah e que Allah é o responsável por essas ações. Então, por que me trouxe aqui? Se realmente está sentindo dores causadas por uma bola de barro, deve-se imputar isso a Allah, que foi realmente quem lhe golpeou com o barro. Por que levar ao tribunal um homem pobre e indefeso como eu, quando tudo que é realizado em verdade é realizado por Allah?".

O juiz absolveu Bahlul da acusação.

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