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quinta-feira, 20 de julho de 2023

A religião como fermento. E o exemplo de Karbala.


Joycemar Tejo
editor do blog
20/07/2023
(no Facebook, aqui)

Dentro da minha militância comunista nunca abri mão do diálogo religioso. Muitos marxistas ortodoxos ficavam de cabelo em pé; "ópio do povo" e pipipi popopó. Para mim isso sempre foi uma leitura rasa e reducionista do próprio texto de onde o trecho foi pinçado (a "Introdução à 'Crítica da Filosofia do Direito de Hegel'") e, como quer que seja, não tenho problema nenhum em aceitar o meu marxismo como heterodoxo, ou mesmo como um simples filomarxismo, caso se entenda que o ateísmo é componente essencial da ferramenta marxiana.

O fato objetivo é que religião, se é ópio, também pode ser fermento, como diz Garaudy. A história está repleta de levantes e movimentos de caráter religioso que combateram o status quo e travaram o bom combate da luta de classes. John Ball (1338-1381), o "padre doido de Kent", por exemplo, atacava a riqueza da Igreja, contestava a propriedade de terra - nos tempos de Adão e Eva não havia título possessório, afinal - e pregava que os homens foram criados iguais, sendo a desigualdade e a escravidão obra dos opressores. Seu levante camponês foi brutalmente reprimido, e o padre condenado à execução - enforcado e esquartejado - na presença de Ricardo II. Quem poderá dizer, sem cometer um insulto ou infâmia, que tal cristianismo radical é mero "ópio"? Séculos depois tivemos a Teologia da Libertação, sobre a qual Luigi Bordin disse querer estar igualmente "ao lado de Cristo, ao lado de Marx". E que falar das pajelanças, quimbandas e todas as expressões dos povos indígena e preto em sua resistência espiritual contra os colonizadores e escravagistas? Novamente: "ópio"? Ó bolchevicada, não sejam levianos.

E o exemplo que me anima neste exato momento, a pungente história do imam Hussein ibn Ali ibn Abu Talib, um conto de Mil & Uma Noites de sangue, areia, fogo e sede. Ninguém menos que o neto do Profeta, a paz e bençãos de Deus estejam sobre ele, mas que, nada obstante a nobre linhagem, teve filhos assassinados e acorrentados. O próprio imam foi assassinado e teve a cabeça decepada exposta nos bazares de Damasco. O agente de tais atrocidades foi o Califado, já então uma instituição tirânica e degenerada.

O levante do imam Hussein, martirizado com seus seguidores no Dia de Ashura, o 10 de Muharram do ano de 680, nas sagradas terras de Karbala no atual Iraque, tem sido considerado um símbolo de resistência contra as opressões. Enfrentar a tirania é um mandado divino, disse o imam; novamente, só tolos enxergariam mero "ópio" nesse impulso radical por emancipação e transformação social.

Como adentramos o mês de Muhararram deste 1445 anno Hegirae, eu gostaria de, singelamente, como tenho tentado fazer todo ano, registrar meu tributo ao imam. Os tiranos ainda estão lá fora, mais do que nunca os levantes - reais ou figurados - são necessários. 

A imagem - via Pinterest, autor desconhecido - retrata a morte de Ali al-Akbar, o filho mais velho* do imam, na Batalha de Karbala. 

(*Conforme a fonte. Há quem diga que o primogênito era Ali ibn Hussein "Zayn al-Abidin" [Joia dos devotos] al-Sajjad, que daria sequência ao imamato).

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