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quinta-feira, 31 de março de 2016

Reabrir as portas da interpretação


Como a vida é uma criação constante (Iqbal), o regramento dessa vida não pode estar, por sua vez, estagnado. Em termos islâmicos, acreditamos, como Taha (conforme vimos aqui), que a perfeição da Sharia consiste precisamente em sua capacidade de evoluir. Esse processo de recriação se perde, contudo, quando é declarado que a atividade racional de interpretação da lei está concluída, nada mais havendo a fazer senão repisar o já estabelecido.

Nos dois pequenos fragmentos abaixo (por acaso, ambos autores franceses), o fim do ciclo crítico é considerado como uma das causas da eventual decadência científica do mundo islâmico.

Em sua resposta a Ernest Renan (Journal des débats de 18 de maio de 1883), Al Afghani mostra como, da metade do século VII à metade do século XIII, o islã deu um impulso tão forte às ciências que tornou-se instituidor do mundo, dos Pirineus ao Himalaia. Em seguida caiu em decadência quando extinguiu-se o espírito crítico (o ijtihad) e reinou o dogmatismo dos intérpretes oficiais da lei, caro a todos os despotismos.

-Roger Garaudy, "Rumo a uma guerra santa?", trad. Angela Melim, Zahar.

A interpretação (ijtihad) é considerada uma fonte do direito muçulmano. Porém, a partir dos séculos XIII-XIV, foi declarado que a revelação feita ao Profeta estava definitivamente encerrada e que os juristas, assim como os teólogos, não poderiam discutir doravante senão no âmbito das interpretações anteriormente aceites pela comunidade. Esta reacção de defesa face aos riscos de dissolução da ordem social estaria na origem da decadência do mundo árabe.

-Michel Miaille, "Introdução crítica ao direito", trad. Ana Prata, Estampa (Lisboa).

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