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sexta-feira, 9 de junho de 2017

A pessoa por trás do rótulo


Trazemos abaixo mais um texto do blog "Agnostic Muslim Khutbahs". É sobre os perigos dos rótulos e preconceitos. A imagem do post é Nasrudin, citado no texto, em gravura turca do século XVII.

O que importa é a pessoa por trás do rótulo

Hassan Radwan

"Deus não olha para suas formas ou aparência exterior, mas sim para seus corações e ações" (no Sahih al-Muslim).

Esse hádice enfatiza que não são as manifestações exteriores de uma pessoa, ou como é rotulada, que importam para Deus, e sim aquilo que está dentro dela- a pessoa por trás do rótulo. Não importa se alguém se identifica como muçulmano, cristão, judeu, hindu, ateu ou agnóstico. Da mesma forma, Deus não está preocupado com raça, nacionalidade, gênero ou sexualidade. Deus olha para além de todas essas coisas. Olha diretamente para seu coração, sua alma, seu caráter e suas ações.

O Profeta disse: "Não há nada que pese mais favoravelmente que um bom caráter" (no Sunan Abu Dawud), e "o melhor dentre vocês é o de melhor caráter" (Bukhari).

Um bom muçulmano é um bom ser humano- simples assim!

As qualidades para ser um bom muçulmano não estão no comprimento da barba nem na quantidade de panos que cobre a pele. Não é a quantidade de orações que você faz nem se usa um turbante ou hijab. As qualidades para ser um bom muçulmano são encontradas em seu comportamento, em seu caráter, seu amor e sua empatia pelos demais seres humanos. O político norte-americano Cory Booker tem uma maravilhosa frase: "Antes de me falar de sua religião, primeiro me mostre como trata os demais; antes de me falar do seu amor por Deus, me mostre o seu amor pelos Seus filhos; antes de pregar sobre o amor que você tem por sua religião, me mostre o amor pelos seus vizinhos. É que não estou interessado no que você tem a dizer, mas sim em como vive e no que dá".

As pessoas são muito mais do que podemos rotular ou ver. Evite julgá-las e lembre que você não sabe o que elas passam.

O Corão diz:

Ó crentes, que nenhum povo zombe de outro; é possível que (os escarnecidos) sejam melhores do que eles (os escarnecedores). Que tampouco nenhuma mulher zombe de outra, porque é possível que esta seja melhor do que aquela. Não vos difameis, nem vos motejeis mutuamente com apelidos. Muito vil é o nome que denota maldade (para ser usado por alguém), depois de ter recebido a fé! E aqueles que não se arrependerem serão os injustos. (49:11, trad. Hayek)

Nossos egos frequentemente nos levam a julgar e debochar dos demais -achamos que somos mais espertos e rimos de como os outros são tolos- mas se recuarmos um pouco perceberemos que sabemos muito pouco. Não sabemos o que as pessoas têm passado e qual é sua situação. Geralmente as enxergamos através de nossos próprios preconceitos, expectativas e experiências. Ao invés de enxergar o próximo, nós o rotulamos.

Mesmo rótulos como "muçulmano", "cristão", "judeu", "hindu" ou "ateu". O que esses rótulos dizem de verdade sobre o que há na cabeça e no coração do indivíduo? Rótulos são como um depósito, um arquivo, a definição de alguém. Eles nada dizem sobre o real valor das pessoas. Pior, eles podem desumanizar o indivíduo e torná-lo alvo de ridículo ou de ódio.

Rótulos podem perpetuar a ignorância, criar divisão e hostilidade. São armadilhas conceituais para nossa mente. Quando mencionamos um rótulo imediatamente evocamos ideias preconcebidas e generalizações que dizem pouco sobre o que a pessoa verdadeiramente é e nos impedem de enxergar além.

Claro, rótulos são ferramentas úteis para ajudar a entender um mundo complexo e confuso. Mas precisamos lembrar que rótulos não são nem verdadeiros nem falsos, como na frase de Alfred Kozybski: "O mapa não é o território, o nome não é a coisa nomeada".

Nosso conhecimento do mundo é limitado por nosso cérebro e nossas experiências. Tudo que achamos que sabemos passa por esses filtros e são então convertidos em linguagem humana, que é facilmente mal compreendida e mal interpretada.

A natureza, profundidade e complexidade das experiências humanas jamais são iguais para todos, mesmo aqueles criados na mesma família e no mesmo ambiente. Cada um de nós experimenta a vida de forma única. Nossas perspectivas são singulares para nós e não podem ser compartilhadas identicamente com os outros.

Quanto mais percebemos o quão pouco conhecemos e como é tão limitado nosso conhecimento, mais humildes, tolerantes e menos críticos dos outros nós nos tornamos.

Religião acima de tudo é sobre bom caráter, boa conduta e o modo como nos relacionamos com as pessoas. É sobre o que está em seu coração e espírito; e não sobre os rótulos que nos damos- ou, pior ainda, os rótulos que nos colocam e que não escolhemos!

A maioria dos rótulos que utilizamos nos foram dados pelo acaso ou criação familiar; ou seja, nossos pais, o meio, predisposição ou experiências da vida. Geralmente são adquiridos antes mesmo que tenhamos a capacidade crítica de questioná-los e compreendê-los. E aquilo acaba se tornando parte de nós, da nossa identidade, nossa tribo, nosso lugar no mundo. Mas na verdade não há nem "virtude" nem "pecado" em um rótulo. O que importa, como tenho dito, é o que está em nossos corações. Como você trata os outros, o bem que faz e o amor que demonstra. Esses são os únicos aspectos que interessam a um Deus Sábio e Misericordioso. Não o rótulo.

Muitos dos conflitos no mundo têm a ver com rótulos. Pessoas se matam apenas porque se rotulam de forma diferente. Se quisermos solucionar esses conflitos, devemos ir para além dos rótulos, do ego e do hábito de julgar as pessoas. Podemos começar por nós mesmos e as pessoas próximas. Evitar julgar, zombar ou menosprezar os outros. Quando alguém discorda de nós ou nos causa problemas, lembremos que o problema não está em nós, mas sim em suas próprias dificuldades e dores. Tentemos dar a essa pessoa o benefício da dúvida. Ninguém acorda de manhã e diz, "hoje serei um estúpido". A maioria de nós tenta fazer o melhor que pode dentro de nossas condições.

Olhe para o lado bom, e não para o negativo. Quando buscamos o bom o encontramos, assim como encontraremos o negativo se focarmos nele.

Isso me lembra uma história de um personagem folclórico bem familiar, Joha, também conhecido como Nasrudin. Um dia Joha estava sentado na entrada de sua aldeia quando um casal se aproximou e perguntou: "Estamos pensando em nos mudar para cá. O que acha deste lugar?". Joha perguntou: "Como é o lugar onde vocês viviam antes?". Responderam: "Ah, horrível! Cheio de pessoas ignorantes e avarentas". Joha lhes respondeu: "Pois, é a mesma coisa aqui". Pouco depois outro casal se aproximou e lhe fez a mesma pergunta: "Estamos pensando em nos mudar para cá. O que acha deste lugar?". Joha perguntou: "Como é o lugar onde vocês viviam antes?". Responderam: "Ah, maravilhoso! As pessoas são bondosas, generosas e amigáveis". Joha lhes respondeu: "Pois, é a mesma coisa aqui".


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