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sábado, 27 de maio de 2017

Existimos e somos fortes


A matéria abaixo foi publicada em fevereiro deste ano, e tem como personagens muçulmanas LGBTTQI e suas vidas sob a administração de Donald Trump nos EUA. Sua autora é a ativista Samra Habib, idealizadora do projeto fotográfico "Just me and Allah: a Queer Muslim Photo Project", que busca dar visibilidade a lésbicas e gays dentro da comunidade muçulmana. As fotos são do texto original e retratam as entrevistadas.

A imagem que ilustra o post, "Watercolor Muslim Women", é de Rasirote Buakeeree, e foi extraída aqui.

Mulher, muçulmana e lésbica: "Existimos e somos fortes"

Samra Habib

Tem sido difícil ser muçulmano na última semana. Enquanto norte-americanos de todos os credos e religiões protestavam pelo país contra o decreto de Trump que vetou a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana, vieram as notícias de um atentado a tiros em uma mesquita em Quebec.

Alguns dos seis devotos mortos neste atentado vieram para o Canadá de lugares como Argélia e África ocidental em busca de uma vida melhor. Apesar desses episódios indicarem tempos sombrios para os milhões de muçulmanos norte-americanos, a realidade é que nem o racismo nem a islamofobia são assuntos novos. De acordo com o Center for the Study of Hate and Extremism [Centro de Estudo do Ódio e Extremismo], o índice de crimes de ódio contra muçulmanos nos Estados Unidos subiu de 12,6 para 38 por mês após o atentado em San Bernardino, Califórnia.

Como parte do meu projeto "Just Me and Allah: A Queer Muslim Photo Project", tenho pedido às pessoas que compartilhem como o Islã moldou suas vidas e o que significa ser muçulmano nestes tempos. Nesta semana peço a três lésbicas muçulmanas de Durham, Carolina do Norte, que falem sobre como a nova administração tem afetado suas vidas, e como a resistência coletiva poderá levar a América adiante.

Saba: "Adoro ter nascido e sido criada aqui no sul dos EUA"



Como muitas outras pessoas na América, eu tenho experimentado sentimentos diversos. Há o medo do que essa administração [de Trump] fará e que impactos trará para mim e aqueles que amo. Nossa segurança e sobrevivência são constantemente ameaçadas em nome de uma hipotética segurança "maior" que não nos inclui. O que eles querem proteger é a supremacia branca, é o seu próprio poder.

Tenho medo de crimes de ódio, de sobre como o acesso a saúde, casamento homoafetivo e direitos reprodutivos têm sido negativamente tratados, medo da supressão do direito ao voto, de registros compulsórios de muçulmanos e deportações. São tempos de reflexão, observar como o poder funciona neste país e como é importante nos organizarmos para conseguir enfrentá-lo.

Agora mesmo, há protestos diariamente em Durham. Tenho visto cada vez mais pessoas novas aderindo aos protestos. Temos ouvido aqueles impactados diretamente por essa política racista e dado nossa solidariedade a eles. O povo tem convocado seus representantes para fazer o mesmo.

Morei a vida inteira na Carolina do Norte. Há muitos desafios e temores, é claro, mas amo ter nascido e crescido no sul. Quanto mais amadureço, mais percebo que este é o meu lugar e que preciso me dedicar para torná-lo melhor.

Sufia: "Me sinto estimulada por estarmos avançando juntos"


Apesar de estar preocupada com a nova legislação e decretos executivos que estão chegando, o que me angustia mais é ver como a maioria das pessoas nos EUA fica inerte diante da opressão. Preocupa-me que pessoas que poderiam dizer ou fazer algo, neste momento tão importante, nada digam ou façam. Mas, apesar de todas essas preocupações, me sinto totalmente estimulada por estarmos avançando juntos, repartindo sonhos, nos aperfeiçoando, coisas que já estão acontecendo. Tenho certeza absoluta de que essas recentes expressões fascistas são apenas os últimos espasmos da moribunda supremacia branca.

Mas há níveis novos de privilégios que me preocupam muito. Eu acho que as pessoas têm mantido essas crenças racistas e opressivas há gerações, não há nada de novo, mas me parece que estamos vendo uma nova onda de violência contra as vidas e corpos das pessoas.

A essa altura da minha vida, minha identidade muçulmana tem um caráter mais político. Apesar de muito do que eu sou ter sido moldado pela comunidade muçulmana, onde desde jovem fiz meus questionamentos pessoais, hoje minha prática espiritual é mais mundana. Ter mudado para Durham e encontrado outras pessoas muçulmanas LGBTTQI teve um grande impacto na minha relação com o Islã. Eu não acho mais que precise escolher entre ser lésbica e ser muçulmana. Minha identidade muçulmana é inerentemente lésbica, porque é assim que eu sou.

O Islã em sua forma mais pura é um modo de vida. Nele aprendi a compreender e respeitar o conceito da luta interior, e acredito que todo ser humano deve trabalhar nesse sentido para ser saudável. No meu caso, a luta interior é para o desenvolvimento da minha força espiritual para estar emocional e espiritualmente pronta para combater a opressão, o fascismo, o racismo e trabalhar para a saúde do planeta e seus seres.


Laila: "Organizar é um trabalho de amor"

A vitória de Trump foi um desastre. Parece que todo o progresso que este país ia fazendo sofreu uma interrupção. Após o resultado eu e minha parceira, Saba (que também é muçulmana), pensamos nas consequências, como a perda da assistência médica ou a proibição do direito a casamento. Como queremos estar juntas para o resto de nossas vidas, foi uma decisão fácil para nós casarmos antes da posse da nova presidência. Apesar de termos recebido algumas críticas, a maioria das manifestações foi de apoio, suporte e amor.

Não há dúvidas de que a nova administração está trazendo à tona a verdade sobre o hetero-patriarcado supremacista branco. As marchas de mulheres são uma prova de que as pessoas estão ficando atentas para isso. Estou feliz porque esse despertar estava demorando para acontecer.

Há muitas maneiras das pessoas apoiarem e darem suporte à dignidade e humanidade das lésbicas muçulmanas. Pode ser combatendo a islamofobia e os ataques virtuais, patrocinando nosso trabalho e nossas plataformas, ou ainda nos abrindo mais espaços para nos expressarmos. Existimos e somos fortes!

Eu tenho feito muito trabalho de organização. Tenho batido de porta em porta, conversado com pessoas da classe trabalhadora negra sobre as lutas econômicas em nossa comunidade, o que é um trabalho fascinante e cansativo. Encontrar formas de fazer meu povo se organizar e partir para a ação é um longo caminho, mas é um trabalho de amor. Há muito torpor e desesperança entre os negros deste país, resultado daquilo que chamam de "síndrome pós-traumática da escravidão" [post-traumatic slave syndrome]. Na minha busca por melhoria espiritual ao longo da vida, encontrei muitos negros, principalmente jovens, que lutavam contra a desesperança, um sentimento que eu conheci muito bem.

O trabalho é duro, necessário e recompensador. Me divido entre a música e a tarefa de organizar a comunidade, e sei que estou contribuindo para mudar o mundo.


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